terça-feira, 29 de setembro de 2009

Memórias de José Pereira

Memórias

Tinha apenas oito anos
Quando cheguei ao Chão Sobral
Vindo do Porto Brandão
Cheguei eu e os meus manos
Ao todo éramos seis
Era grande a confusão

A casa para nós vivermos
Era muito pequenina
E já lá vivia a minha avó
Mas como éramos pequenos
Deitavamo-nos três na mesma cama
Para fazermos ó ó

Mas ainda morava mais alguém
Nessa casa tão pobrezinha
Mais dois primos e uma tia
E também a minha mãe
E quando vinha de Lisboa
O meu pai também lá dormia

Tudo isto se passou
Em tamanha algazarra
E alguma gritaria
Só lá faltava o meu avô
Porque já tinha morrido
Senão não sei como seria

Fui para a escola e andei descalço
Calquei geada pelos caminhos
E muita topada eu dei
Aquilo que mais realço
Foi de muito frio passar
E nunca me constipei

Como toda a criança
Eu gostava de brincar
Com os meninos da minha idade
E ainda tenho na lembrança
A Margarida, o Manuel Silva e a Fernanda
O Zé Patrocínio, a Casimira e o Zé Trindade

Na noite de São João
Aqueles ranchos que passavam
No Chão Sobral a cantar
Com o farnel e o garrafão
Quando iam para o Cabeço
Para à tarde merendar

Pela festa do Vale de Maceira
Ou da Senhora das Preces
Essa grande romaria
No Chão Sobral sem canseira
Os romeiros que passavam
Vinham cheios de alegria

A trabalhar nos pinhais
Comecei de muito novo
Que dureza, que canseira
Éramos como animais
Por aquelas serras acima
Com os rolos na lombeira

E a festa que se fazia
Quando se matava o porco
Para se comer os torresmos ou um bocado de assuã
Era sempre uma alegria
Provar o sangue cozido
Logo ali pela manhã

Quando íamos ao lagar
Fazer uma tibornada
Para provar o azeite novo
Levava-mos batatas para assar
E as vezes bacalhau
Era o conduto do povo

E na noite de Natal
A puxar-mos o carro dos bois
Como era linda a brincadeira
Para irmos ao pinhal
Buscar os cepos e lenha
Para acender-mos a fogueira


Lembro-me dos serões que se faziam
Quando o alambique trabalhava
Para se fazer aguardente
Pois alguns até diziam
Quando alguém trambaleava
Olha aquele já vai contente

E não me posso esquecer
Da festa de S. Lourenço
Nesse dia que alegria
Aquilo é que era comer
Chanfana até não querer mais
E dançar até ser dia

Meus amigos me despeço
Com saudades desse tempo
Rapazes e raparigas
E quando íamos pró Cabeço
No nosso rancho dançar
E cantar umas cantigas

Recordações do passado
E das nossas brincadeiras
Não me saem da memória
Ó meu Deus muito obrigado
Por viver todo este tempo
Para vos lembrar esta história

-- José Gabriel Mendes Pereira